"É típica a conduta de possuir arma de fogo de
uso permitido com numeração raspada,
suprimida ou adulterada (art. 16,
parágrafo único, IV, da Lei 10.826/2003) praticada após 23/10/2005. O STJ tem entendimento firme de que as regras contidas nos
arts. 30 e 32 da Lei 10.826/2003, bem como nas sucessivas leis que prorrogaram
a vigência da redação original desses dispositivos, implicam vacatio legis indireta das normas penais
incriminadoras da “posse” ou “propriedade” de armas de fogo, tanto de uso permitido como de uso restrito. Sendo assim,
enquanto aquelas leis tivessem vigência, tais condutas seriam consideradas
atípicas, pela ocorrência de abolitio criminis temporária.
Contudo, depois de
ultrapassado o prazo final previsto na última prorrogação da redação original
dos arts. 30 e 32 da Lei 10.826/2003 (23/10/2005), a Lei 11.706/2008 deu a eles
nova redação, sendo que, posteriormente, a Lei 11.922/2009, em seu art. 20,
prorrogou o prazo previsto neste último diploma para 31/12/2009. Note-se,
entretanto, que não houve mera prorrogação de prazo pela Lei 11.706/2008, como
nas vezes anteriores, mas uma modificação do conteúdo da lei.
A propósito, na
redação original do art. 32 da Lei 10.826/2003, o prazo era
para que o proprietário ou possuidor da arma de fogo a “entregasse” à autoridade competente; já no tocante ao art.
30 da mesma lei, o prazo era para que fosse “solicitado o registro” da arma.
Como se percebe, o art. 30 da Lei 10.826/2003, na nova
redação, continuou a prever uma abolitio criminis para que se procedesse,
exclusivamente, à “regularização” da arma por meio do seu “registro”. Contudo, diferentemente da
redação original, mencionou expressamente que a benesse dizia respeito ao
proprietário ou possuidor de “arma defogo de uso permitido”.
Ocorre que uma arma com o número de série adulterado ou suprimido não é passível
de regularização, uma vez que o art. 15, II, “j”, do
Dec. 5.123/2004 estabelece como um dos requisitos para o registro o
"número de série gravado no cano da arma". Portanto, não sendo viável
a regularização por meio do registro da arma de fogo de uso permitido com numeração suprimida, adulterada ou
raspada, o seu possuidor ou proprietário não pode ser beneficiado com a abolitio criminis temporária prevista no art. 30 da Lei
10.826/2003, com a redação atribuída pela Lei 11.706/2008.
Por fim, ressalte-se
que a nova regra do art. 32 da Lei 10.826/2003 não mais suspendeu,
temporariamente, a vigência da norma incriminadora ou instaurou uma abolitio criminis temporária — conforme operado pelo art. 30 da
mesma lei —, mas instituiu uma causa permanente de exclusão da punibilidade,
consistente na “entrega espontânea” da arma. Assim, de maneira diversa da abolitio criminis temporária ou da vacatio legis indireta,
em que os efeitos da norma incriminadora são temporariamente suspensos, com
efeitos erga omnes, de
modo que a conduta não é típica se praticada nesse período, a causa extintiva da punibilidade prevista no art. 32 da Lei
10.826/2003 não tem o condão de excluir a tipicidade em caráter geral.
Como se
vê, criou o legislador um meio jurídico para que, a qualquer tempo, o possuidor
da arma de fogo de uso permitido, em situação irregular, procedesse à sua
devolução, sem que enfrentasse problemas com a justiça criminal.
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