quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL x TESTAMENTO

“O propósito recursal é definir se é admissível a realização do inventário e partilha por escritura pública na hipótese em que, a despeito da existência de testamento, todos os herdeiros são capazes e concordes.

A partir da leitura do art. 610, caput e § 1º, do CPC/15, decorrem duas possíveis interpretações: (i) uma literal, segundo a qual haverá a necessidade de inventário judicial sempre que houver testamento, ainda que os herdeiros sejam capazes e concordes; ou (ii) uma sistemática e teleológica, segundo a qual haverá a necessidade de inventário judicial sempre que houver testamento, salvo quando os herdeiros sejam capazes de concordes.

A primeira interpretação, literal do caput do art. 610 do CPC/15, tornaria absolutamente desnecessário e praticamente sem efeito a primeira parte do § 1º do mesmo dispositivo, na medida em que a vedação ao inventário judicial na hipótese de interessado incapaz já está textualmente enunciada no caput.

Entretanto, em uma interpretação teleológica decorrente da análise da exposição de motivos da Lei nº 11.441/2007, que promoveu, ainda na vigência do CPC/73, a modificação legislativa que autorizou a realização de inventários extrajudiciais no Brasil, verifica-se que o propósito do legislador tencionou impedir a partilha extrajudicial quando existente o inventário diante da alegada potencialidade de geração de conflitos que tornaria necessariamente litigioso o objeto do inventário.

A partir desse cenário, verifica-se que, em verdade, a exposição de motivos reforça a tese de que haverá a necessidade de inventário judicial sempre que houver testamento, salvo quando os herdeiros sejam capazes e concordes, justamente porque a capacidade para transigir e a inexistência de conflito entre os herdeiros derruem inteiramente as razões expostas pelo legislador.

Anote-se ainda que as legislações contemporâneas têm estimulado a autonomia da vontade, a desjudicialização dos conflitos e a adoção de métodos adequados de resolução das controvérsias, de modo que a via judicial deve ser reservada somente à hipótese em que houver litígio entre os herdeiros sobre o testamento que infuencie na resolução do inventário.

Finalmente, uma interpretação sistemática do art. 610, caput e § 1º, do CPC/15, especialmente à luz dos arts. 2.015 e 2.016, ambos do CC/2002, igualmente demonstra ser acertada a conclusão de que, sendo os herdeiros capazes e concordes, não há óbice ao inventário extrajudicial, ainda que haja testamento, nos termos, inclusive, de precedente da 4ª Turma desta Corte.

Recurso especial conhecido e provido, a fim de, afastado o óbice à homologação apontado pela sentença e pelo acórdão recorrido, determinar seja dado regular prosseguimento ao pedido.”

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