"Não é possível afastar a tipicidade material
do porte de substância entorpecente para consumo próprio com base no princípio
da insignificância, ainda que ínfima a quantidade de droga apreendida.
A despeito da subsunção formal de determinada
conduta humana a um tipo penal, é possível se vislumbrar atipicidade material
da referida conduta, por diversos motivos, entre os quais a ausência de
ofensividade penal do comportamento em análise.
Isso porque, além da adequação típica formal, deve
haver uma atuação seletiva, subsidiária e fragmentária do Direito Penal,
conferindo-se maior relevância à proteção de valores tidos como indispensáveis
à ordem social, a exemplo da vida, da liberdade, da propriedade, do patrimônio,
quando efetivamente ofendidos.
A par disso, frise-se que o porte ilegal de drogas
é crime de perigo abstrato ou presumido, visto que prescinde da
comprovação da existência de situação que tenha colocado em risco o bem
jurídico tutelado.
Assim, para a caracterização do delito descrito no
art. 28 da Lei 11.343/2006, não se faz necessária a ocorrência de efetiva lesão
ao bem jurídico protegido, bastando a realização da conduta proibida para que
se presuma o perigo ao bem tutelado. Isso porque, ao adquirir droga para seu
consumo, o usuário realimenta o comércio ilícito, contribuindo para difusão dos
tóxicos.
Ademais, após certo tempo e grau de consumo, o
usuário de drogas precisa de maiores quantidades para atingir o mesmo efeito
obtido quando do início do consumo, gerando, assim, uma compulsão quase
incontrolável pela próxima dose. Nesse passo, não há como negar que o usuário
de drogas, ao buscar alimentar o seu vício, acaba estimulando diretamente o
comércio ilegal de drogas e, com ele, todos os outros crimesrelacionados
ao narcotráfico: homicídio, roubo, corrupção, tráfico de armas etc.
O consumo de drogas ilícitas é proibido não apenas
pelo mal que a substância faz ao usuário, mas, também, pelo perigo que o
consumidor dessas gera à sociedade. Essa ilação é corroborada pelo expressivo
número de relatos de crimes envolvendo violência ou grave ameaça
contra pessoa, associados aos efeitos do consumo de drogas ou à obtenção de
recursos ilícitos para a aquisição de mais substância entorpecente.
Portanto, o objeto jurídico tutelado pela norma em
comento é a saúde pública, e não apenas a saúde do usuário, visto que sua
conduta atinge não somente a sua esfera pessoal, mas toda a coletividade,
diante da potencialidade ofensiva do delito de porte de entorpecentes.
Além disso, a reduzida quantidade de drogas integra
a própria essência do crime de porte de substância entorpecente
para consumo próprio, visto que, do contrário, poder-se-ia estar diante da
hipótese do delito de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei
11.343/2006.
Vale dizer, o tipo previsto no art. 28 da Lei
11.343/2006 esgota-se, simplesmente, no fato de o agente trazer consigo, para
uso próprio, qualquer substância entorpecente que possa causar dependência,
sendo, por isso mesmo, irrelevante que a quantidade de drogas não produza,
concretamente, danos ao bem jurídico tutelado. Por fim, não se pode olvidar que
o legislador, ao editar a Lei 11.343/2006, optou por abrandar as sanções
cominadas ao usuário de drogas, afastando a possibilidade de aplicação de penas
privativas de liberdade e prevendo somente as sanções de advertência, de
prestação de serviços à comunidade e de medida educativa de comparecimento a
programa ou curso educativo, conforme os incisos do art. 28 do referido diploma
legal, a fim de possibilitar a sua recuperação.
Dessa maneira, a intenção do legislador foi a de
impor ao usuário medidas de caráter educativo, objetivando, assim, alertá-lo
sobre o risco de sua conduta para a sua saúde, além de evitar a reiteração do
delito. Nesse contexto, em razão da política criminal adotada pela Lei
11.343/2006, há de se reconhecer a tipicidade material do porte de substância
entorpecente para consumo próprio, ainda que ínfima a quantidade de droga
apreendida."
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