"Na hipótese em que frustrados os públicos leilões promovidos pelo
fiduciário para a alienação do imóvel objeto de alienação fiduciária no âmbito
do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), a taxa de ocupação será exigível do
fiduciante em mora a partir da data na qual se considera extinta a dívida (art.
27, § 5º, da Lei n. 9.514/1997), e não desde a data da consolidação da
propriedade em nome do fiduciário (art. 27, caput, da
Lei n. 9.514/1997).
Nos termos
da literalidade do art. 37-A da Lei n. 9.514/1997, "o "fiduciante
pagará ao fiduciário, ou a quem vier a sucedê-lo, a título de taxa de ocupação
do imóvel, por mês ou fração, valor correspondente a um por cento do valor a
que se refere o inciso VI do art. 24, computado e exigível desde a data da
alienação em leilão até a data em que o fiduciário, ou seus sucessores, vier a
ser imitido na posse do imóvel".
O
fundamento para que essa taxa não incida no período anterior à alienação é que
a propriedade fiduciária não se equipara à propriedade plena, por estar
vinculada ao propósito de garantia da dívida, conforme expressamente dispõe o
art. 1.367 do CC: "A propriedade fiduciária em garantia de bens móveis ou imóveis sujeita-se às
disposições do Capítulo I do Título X do Livro III da Parte Especial deste
Código e, no que for específico, à legislação especial pertinente, não se
equiparando, para quaisquer efeitos, à propriedade plena de que trata o art.
1.231".
Efetivamente,
não se reconhece ao proprietário fiduciário os direitos de usar (jus utendi) e de fruir (jus
fruendi) da coisa, restando-lhe apenas os
direitos de dispor da coisa (jus
abutendi) e de reavê-la de quem injustamente
a possua (rei
vindicatio). Essa limitação de poderes se
mantém após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, pois
essa consolidação se dá exclusivamente com o propósito de satisfazer a
dívida.
É o que dispõe o art. 1.364 do CC, litteris: "Vencida a
dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou
extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu
crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao
devedor". No mesmo sentido, o art. 27, caput, da Lei n.
9.514/1997, litteris: "Uma vez consolidada a propriedade em
seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro
de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a
alienação do imóvel". Com efeito, o direito do credor se limita ao
crédito, sendo a garantia (ainda que por meio de alienação fiduciária) um mero
acessório, não podendo o credor se apropriar, simultaneamente, do crédito e da
coisa dada em garantia, sob pena de bis in idem e
enriquecimento sem causa. A taxa de ocupação do imóvel, pela sua própria
definição, tem natureza de fruto do imóvel objeto da alienação
fiduciária.
Ora, se o credor fiduciário não dispõe do jus fruendi, não
pode exigir do devedor o pagamento de taxa de ocupação. Efetivamente, os únicos
frutos que podem ser exigidos pelo credor são os juros, frutos do capital
mutuado. Entendimento diverso geraria bis in idem e
enriquecimento sem causa do banco credor, pois, em razão do mútuo de certa
quantia em dinheiro, o banco receberia dois frutos, os juros e a taxa de
ocupação.
Nessa
esteira, observa-se que a redação do art. 37-A da Lei n. 9.514/1997 foi precisa
ao dispor que a taxa de ocupação somente é devida após a "data da
alienação em leilão", pois, antes da alienação, a propriedade não é plena,
mas afetada à satisfação da dívida, não produzindo frutos em favor do credor
fiduciário.
Do mesmo modo, a redação do art. 38 da Lei n. 10.150/2000 também foi
precisa ao instituir o arrendamento especial com opção de compra apenas para os imóveis que
a instituição financeira tenha "arrematado, adjudicado ou recebido em
dação em pagamento", não para os imóveis adquiridos por
consolidação da propriedade fiduciária.
Sob outro
ângulo, cabe destacar que a Lei impõe um rito célere à alienação extrajudicial,
de modo que o primeiro leilão deva ser realizado no prazo de trinta dias após o
registro da consolidação da propriedade, conforme previsto no art. 27 da Lei n.
9.514/1997, independentemente da desocupação do imóvel. A fixação desse prazo
exíguo tem o objetivo de evitar que a instituição financeira permaneça inerte
após a consolidação da propriedade, deixando que a dívida se eleve
aceleradamente, por força dos encargos da mora. Há, portanto, no referido art.
27, um fundamento de boa-fé objetiva, especificamente concretizada no preceito duty to mitigate the loss, explicado em precedente da Terceira Turma.
Durante
esse curto período de 30 dias, as perdas experimentadas pela instituição
financeira já são adequadamente compensadas pela multa contratual.
Aliás, a
incidência de taxa de ocupação geraria o efeito deletério de estimular a
inércia da instituição financeira, tendo em vista a incidência de mais um fator
de incremento da dívida. Noutro norte, é certo que a boa-fé também impõe
deveres ao mutuário, como o de desocupar o imóvel, caso não tenha purgado
tempestivamente a mora.
Porém, a
violação desse dever impõe perdas potenciais ao próprio mutuário, não à
instituição financeira, que já é remunerada pelos encargos contratuais, tendo
em vista que o mutuário tem direito à restituição do saldo que restar das
parcelas pagas após a quitação da dívida e dos encargos. Destaque-se, ainda,
que a Lei n. 9.514/1997 confere ao mutuário o prazo de 60 dias para desocupar o
imóvel (art. 30), mas prevê o prazo de apenas 30 dias para a realização do
leilão, evidenciando que a lei deu mais relevância à liquidação da dívida do
que à questão possessória. Mas, o que fazer na hipótese de leilão frustrado, em
que não há alienação?
Nessa
hipótese, o art. 27 da Lei n. 9.514/1997 prevê a realização de um segundo
leilão no prazo de 15 dias, após o qual a dívida será extinta compulsoriamente,
exonerando-se ambas as partes de suas obrigações. Ora, havendo extinção da
dívida, o imóvel deixa de estar afetado ao propósito de garantia, passando a
integrar o patrimônio do credor de forma plena, o que se assemelha a uma
adjudicação.
A partir
de então, o credor passa a titularizar todos os poderes inerentes ao domínio,
fazendo jus aos frutos do imóvel, inclusive na forma da taxa de ocupação (REsp
1.328.656-GO, Quarta Turma, DJe 18/9/2012). Esclareça-se que, no âmbito da
Terceira Turma do STJ, há um julgado em que se admitiu a cobrança de taxa de
ocupação desde a consolidação da propriedade, antes, portanto, da data do
leilão.
Esse
julgado, contudo, diz respeito a uma situação específica, em que o leilão foi
adiado por muito tempo, em razão de decisões judiciais precárias obtidas pelo
mutuário; a taxa de ocupação, portanto, foi deferida como forma de compensar as
perdas e danos acrescidas em razão dessa demora não imputável ao credor
fiduciário."
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