Não é abusiva a mera previsão
contratual que estabelece a duplicação do valor do aluguel no mês de dezembro
em contrato de locação de
espaço em shopping center. De início, cabe
ressaltar que o contrato de locação deve
ser analisado com base no disposto no art. 54 da Lei de Locações (Lei n.
8.245/1991), que admite a livre pactuação das cláusulas no contrato de locação de
espaço em shopping center
firmado entre lojistas e empreendedores, observadas as disposições da referida
lei.
O controle judicial das cláusulas contratuais constantes de contrato de locação de
espaço em shopping center deve ser
estabelecido a partir dos princípios reitores do sistema de Direito
Empresarial, partindo-se, naturalmente, do disposto no art. 54 da Lei de Locações.
Com
efeito, a locação de
espaço em shopping center
é uma modalidade de contrato empresarial, contendo fundamentalmente os
seguintes elementos: o consentimento dos contratantes, a cessão do espaço e o
aluguel. O aluguel em si é composto de uma parte fixa e de uma parte variável.
A parcela fixa é estabelecida em um valor preciso no contrato com possibilidade
de reajuste pela variação da inflação, correspondendo a um aluguel mínimo
mensal.
A parcela variável consiste em um percentual sobre o montante de vendas
(faturamento do estabelecimento comercial), variando em torno de 7% a 8% sobre
o volume de vendas.
Se o montante em dinheiro do percentual sobre as vendas for
inferior ao valor do aluguel fixo, apenas este deve ser pago; se for superior,
paga-se somente o aluguel percentual.
No mês de dezembro, é previsto o
pagamento em dobro do aluguel para que o empreendedor ou o administrador
indicado faça também frente ao aumento de suas despesas nessa época do ano,
sendo também chamado de aluguel dúplice ou 13º aluguel.
A cobrança do 13º
aluguel é prevista em cláusula contratual própria desse tipo peculiar de
contrato de locação, incluindo-se
entre as chamadas cláusulas excêntricas.
A discussão acerca da validade dessa
cláusula centra-se na tensão entre os princípios da autonomia privada e da
função social do contrato. De acordo com doutrina especializada, o princípio da
autonomia privada corresponde ao poder reconhecido pela ordem jurídica aos
particulares para dispor acerca dos seus interesses, notadamente os econômicos
(autonomia negocial), realizando livremente negócios jurídicos e determinando
os respectivos efeitos.
A autonomia privada, embora modernamente tenha cedido
espaço para outros princípios (como a boa-fé e a função social do contrato),
apresenta-se, ainda, como a pedra angular do sistema de direito privado,
especialmente no plano do Direito Empresarial.
O pressuposto imediato da
autonomia privada é a liberdade como valor jurídico. Mediatamente, o
personalismo ético aparece também como fundamento, com a concepção de que o
indivíduo é o centro do ordenamento jurídico e de que sua vontade, livremente
manifestada, deve ser resguardada como instrumento de realização de justiça. O
princípio da autonomia privada concretiza-se, fundamentalmente, no direito
contratual, por meio de uma tríplice dimensão: a liberdade contratual, a força
obrigatória dos pactos e a relatividade dos contratos.
A liberdade contratual
representa o poder conferido às partes de escolher o negócio a ser celebrado,
com quem contratar e o conteúdo das cláusulas contratuais. É a ampla faixa de
autonomia conferida pelo ordenamento jurídico à manifestação de vontade dos
contratantes. Assevera doutrina que o princípio da relatividade dos contratos
expressa, em síntese, que a força obrigatória desse negócio jurídico é restrita
às partes contratantes (res inter alios acta).
Os direitos e as obrigações nascidos de um contrato não
atingem terceiros, cuja manifestação de vontade não teve participação na
formação desse negócio jurídico. De outro lado, nenhum terceiro pode intervir
no contrato regularmente celebrado. Limita-se, assim, até mesmo, a atuação
legislativa do próprio Estado, em virtude da impossibilidade de uma lei nova
incidir retroativamente sobre contrato regularmente celebrado por constituir
ato jurídico perfeito. Entretanto, admite-se a revisão administrativa e
judicial dos contratos nos casos expressamente autorizados pelo ordenamento
jurídico. Já a força obrigatória dos contratos é o contraponto da liberdade contratual.
Se o agente é livre para realizar qualquer negócio jurídico dentro da vida
civil, deve ser responsável pelos atos praticados, pois os contratos são
celebrados para serem cumpridos (pacta
sunt servanda).
A necessidade de efetiva segurança jurídica na
circulação de bens impele a ideia de responsabilidade contratual, mas de forma
restrita aos limites do contrato. O exercício da liberdade contratual exige
responsabilidade quanto aos efeitos dos pactos celebrados. Assim, o controle
judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais
restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são
entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras
costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia. Ressalte-se
que a autonomia privada, como bem delineado no Código Civil de 2002 (arts. 421
e 422) e já reconhecido na vigência do Código Civil de 1916, não constitui um
princípio absoluto em nosso ordenamento jurídico, sendo relativizada, entre
outros, pelos princípios da função social, da boa-fé objetiva e da prevalência
do interesse público. Essa relativização resulta, conforme entendimento
doutrinário, o reconhecimento de que os contratos, além do interesse das partes
contratantes, devem atender também aos "fins últimos da ordem
econômica".
Nesse contexto, visando à promoção desses fins, admite o
Direito brasileiro, expressamente, a revisão contratual, diante da alteração
superveniente das circunstâncias que deram origem ao negócio jurídico (teoria
da imprevisão, teoria da base objetiva etc.)."
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