"Ainda que o domicílio do autor da
herança seja o Brasil, aplica-se a lei estrangeira da situação da coisa - e não
a lei brasileira - na sucessão de bem imóvel situado no exterior.
A
LINDB, inegavelmente, elegeu o domicílio como relevante regra de conexão para
solver conflitos decorrentes de situações jurídicas relacionadas a mais de um
sistema legal (conflitos de leis interespaciais), porquanto consistente na
própria sede jurídica do indivíduo.
Assim, a lei do país em que for domiciliada
a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o direito
ao nome, a capacidade jurídica e dos direitos de família.
Por sua
vez, a lei do domicílio do autor da herança regulará a correlata sucessão, nos
termos do art. 10 da lei sob comento. Em que pese a prevalência da lei do
domicílio do indivíduo para regular as suas relações jurídicas pessoais,
conforme preceitua a LINDB, esta regra de conexão não é absoluta.
Como bem
pondera a doutrina, outros elementos de conectividade podem, a depender da
situação sob análise, revelarem-se preponderantes e, por conseguinte,
excepcionar a aludida regra, tais como a situação da coisa, a faculdade
concedida à vontade individual na escolha da lei aplicável, quando isto for
possível, ou por imposições de ordem pública.
Esclarece, ainda, que "a
adoção de uma norma de direito estrangeiro não é mera concessão do Estado, ou
um favor emanado de sua soberania, mas a consequência natural da comunidade de
direito, de tal forma que a aplicação da lei estrangeira resulta como imposição
de um dever internacional. Especificamente à lei regente da sucessão, pode-se
assentar, de igual modo, que o art. 10 da LINDB, ao estabelecer a lei do
domicílio do autor da herança para regê-la, não assume caráter absoluto.
A
conformação do direito internacional privado exige, como visto, a ponderação de
outros elementos de conectividade que deverão, a depender da situação,
prevalecer sobre a lei de domicílio do de cujus.
Além disso, outras duas razões - a primeira de ordem legal; a segunda de ordem
prática - corroboram com a conclusão de relatividade do disposto no LINDB."
No tocante ao primeiro enfoque, o
dispositivo legal sob comento deve ser analisado e interpretado
sistematicamente, em conjunto, portanto, com as demais normas internas que
regulam o tema, em especial o art. 8º, caput,
e § 1º do art. 12, ambos da LINDB e o art. 89 do CPC.
E, o fazendo, verifica-se
que, na hipótese de haver bens imóveis a inventariar situados, simultaneamente,
aqui e no exterior, o Brasil adota o princípio da pluralidade dos juízos
sucessórios.
Como se constata, a própria LINDB, em seu art. 8º, dispõe que as
relações concernentes aos bens imóveis devem ser reguladas pela lei do país em
que se encontrem. Inserem-se, inarredavelmente, no espectro de relações afetas
aos bens imóveis aquelas destinadas a sua transmissão/alienação, seja por ato
entre vivos, seja causa
mortis, cabendo, portanto, à lei do país em
que situados regê-las. Por sua vez, o CPC, em seu art. 89 (abrangendo
disposição idêntica à contida no § 2º do art. 12 da LINDB), é expresso em
reconhecer que a jurisdição brasileira, com exclusão de qualquer outra, deve
conhecer e julgar as ações relativas aos imóveis situados no país, assim como
proceder ao inventário e partilha de bens situados no Brasil, independente do
domicílio ou da nacionalidade do autor da herança.
Sobressai, no ponto, a
insubsistência da tese de que o Juízo sucessório brasileiro poderia dispor
sobre a partilha de bem imóvel situado no exterior. Como assinalado, não resta
sequer instaurada a jurisdição brasileira para deliberar sobre bens imóveis
situados no estrangeiro, tampouco para proceder a inventario ou à partilha de
bens imóveis sitos no exterior. O solo, em que se fixam os bens imóveis,
afigura-se como expressão da própria soberania de um Estado e, como tal, não
pode ser, sem seu consentimento ou em contrariedade ao seu ordenamento
jurídico, objeto de ingerência de outro Estado.
No ponto, já se pode antever a
segunda razão - esta de ordem prática - a justificar a assertiva de que o art.
10 da LINDB encerra, de fato, regramento que comporta exceções. É que um
provimento judicial emanado do juízo sucessório brasileiro destinado a
deliberar sobre imóvel situado no exterior, além de se afigurar inexistente,
pois, como visto, não instaurada sequer sua jurisdição, não deteria qualquer
eficácia em outro país, destinatário da "ordem" judicial. Aliás,
dentre os princípios que regem o Direito Internacional Privado, ganha cada vez
mais relevo o da eficácia das decisões ou do Estado com melhor competência,
informador da competência da lex
rei sitae (lei da situação da coisa) para
regular as relações concernentes aos bens imóveis, pois esta é a lei,
inarredavelmente, que guarda melhores condições de impor a observância e o acatamento
de seus preceitos.
Assim, em havendo bens imóveis a serem inventariados ou
partilhados simultaneamente no Brasil e no estrangeiro, a premissa de que a lei
do domicílio do de
cujus, sempre e em qualquer situação,
regulará a sucessão, somente poderia ser admitida na remota - senão inexistente
- hipótese de o Estado estrangeiro, cujas leis potencialmente poderiam reger o
caso (em virtude de algum fator de conexão, v.g., situação da coisa, existência
de testamento, nacionalidade,
etc), possuir disposição legal idêntica à brasileira. Mais do que isso. Seria
necessário que, tanto o Brasil, em que domiciliado a autora da herança, assim
como o país estrangeiro, país em que situado o imóvel a ser inventariado,
adotassem o princípio da unidade ou universalidade do juízo da sucessão e que,
em ambos os países, o juízo sucessório fosse (com prejuízo de qualquer outra
regra de conexão) o do domicílio do autor da herança. Todavia, em se tratando
de bem imóvel situado no estrangeiro, circunstância que se relaciona diretamente
com a própria soberania do Estado, difícil, senão impossível, cogitar a
hipótese de este mesmo Estado estrangeiro dispor que a sucessão deste bem, nele
situado, fosse regulada pela lei de outro país.
No ordenamento jurídico
nacional (art. 8º, caput, da LINDB, em conjunto com o art. 89 do CPC -
abrangendo disposição idêntica à contida no § 2º do art. 12 da LINDB), tal
hipótese seria inadmissível. A exegese ora propugnada, encontra ressonância na
especializada doutrina, que bem esclarece a inidoneidade (e mesmo ineficácia)
do critério unitário para reger a sucessão de bens imóveis situados em mais de
um Estado, em claro descompasso com as demais normas internas que tratam do
tema. Ademais, a jurisprudência do STJ, na linha da doutrina destacada, já decidiu
que, "Adotado no ordenamento jurídico pátrio o princípio da pluralidade de
juízos sucessórios, inviável se cuidar, em inventário aqui realizado, de
eventuais depósitos bancários existentes no estrangeiro."
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