"Trata-se de paciente denunciado na Justiça Federal pela suposta prática do crime
de corrupção
ativa previsto no art. 333, caput, c/c o art. 29, caput, ambos do CP.
A ação penal condenou-o em primeira
instância e, contra essa sentença, há apelação que ainda está pendente de
julgamento no TRF. No habeas
corpus, buscam os impetrantes que seja
reconhecida a nulidade dos procedimentos pré-processuais (como monitoramento
telefônico e telemático, bem como ação controlada) que teriam subsidiado a ação
penal e o inquérito policial; pois, a seu ver, incorreram em inúmeras
ilegalidades, visto que os atos típicos de polícia judiciária foram efetuados
por agentes de órgão de inteligência (pedido negado em habeas corpus anterior impetrado no TRF).
Pretendem que
essa nulidade possa ser utilizada em favor do paciente nas investigações e/ou
ações penais decorrentes de tais procedimentos, inclusive, entre elas, a
sentença da ação penal que o condenou. Anotou-se que o inquérito policial foi
iniciado formalmente em 25/6/2008, mas as diligências seriam anteriores a
fevereiro de 2007 e, até julho de 2008, os procedimentos de monitoramento foram
efetuados, sem autorização judicial, por agentes de órgão de inteligência em
desatenção à Lei n. 9.296/1999.
Inclusive, o delegado da Polícia Federal
responsável teria arregimentado, para as ações de monitoramento, entre 75 e 100
servidores do órgão de inteligência e ex-agente aposentado sem o conhecimento
do juiz e do MP, consoante ficou demonstrado em outra ação penal contra o mesmo
delegado - a qual resultou na sua condenação por violação de sigilo funcional e
fraude processual quando no exercício da apuração dos fatos relacionados contra
o ora paciente.
O Min. Relator aderiu ao parecer do MPF e concedeu a ordem para
anular a ação penal desde o início, visto haver a participação indevida e
flagrantemente ilegal do órgão de inteligência e do investigador particular
contratado pelo delegado, o que resultou serem as provas ilícitas - definiu
como prova ilícita aquela obtida com violação de regra ou princípio
constitucional.
Considerou que a participação de agentes estranhos à autoridade
policial, que tem a exclusividade de investigação em atividades de segurança
pública, constituiria violação do art. 144, § 1º, IV, da CF/1988, da Lei n.
9.883/1999, dos arts. 4º e 157 e parágrafos do CPP e, particularmente, dos
preceitos do Estado democrático de direito. Destacou também como fato relevante
a edição de sentença condenatória do delegado por crime de violação de sigilo
profissional e fraude processual - atualmente convertida em ação penal no STF
(em razão de prerrogativa de foro decorrente de cargo político agora ocupado
pelo delegado).
Asseverou ser razoável que a defesa do paciente tenha
apresentado documentos novos na véspera do julgamento dos embargos de
declaração opostos contra a denegação do writ pelo
TRF, visto não tê-los obtido antes (tratava-se de um CD-ROM de leitura inviável
até aquele momento).
Como foram consideradas ilícitas as provas colhidas,
adotou a teoria dos frutos da árvore envenenada (os vícios da árvore são
transmitidos aos seus frutos) para anular a ação penal desde o início,
apontando que assim se posicionam a doutrina e a jurisprudência - uma vez reconhecida
a ilicitude das provas colhidas, essa circunstância as torna destituídas de
qualquer eficácia jurídica, sendo que elas contaminam a futura ação penal.
Contudo, registrou o Min. Relator, os eventuais delitos cometidos pelo paciente
devem ser investigados e, se comprovados, julgados, desde que seja observada a
legalidade dos métodos utilizados na busca da verdade real, respeitando-se o
Estado democrático de direito e os princípios da legalidade, da impessoalidade
e do devido processo legal; o que não se concebe é o desrespeito às normas
constitucionais e aos preceitos legais. Para a tese vencida, inaugurada com a
divergência do Min. Gilson Dipp, é inviável a discussão do tema na via do habeas corpus, pois ela se sujeita a exame de prova e não há os
elementos de certeza para a conclusão pretendida pelos impetrantes. Destacou a
coexistência de apelação no TRF sobre a mesma discussão do habeas corpus, com risco de invasão ou usurpação da
competência jurisdicional local.
Relembrou, assim, as observações feitas em
julgamentos semelhantes de que esse expediente de medidas concomitantes e
substitutivas de recursos ordinários é logicamente incompatível com a ordem
processual por expor à possível ambiguidade, contradição ou equívoco os
diferentes órgãos judiciais que vão examinar o mesmo caso concreto.
Asseverou
ser fora de qualquer dúvida que o órgão de inteligência em comento se rege por
legislação especial e institucionalmente serve ao assessoramento e como
subsídio ao presidente da República em matéria de interesse ou segurança da
sociedade e do Estado, mas tal situação, a seu ver, não afastaria a possível
participação dos agentes de inteligência nessa ou noutra atividade relacionada
com seus propósitos institucionais, nem impediria aquele órgão de relacionar-se
com outras instituições, compartilhando informações. Entende, assim, que, mesmo
admitindo o suposto e possível excesso dos agentes de inteligência nos limites
da colaboração ou mesmo a eventual invasão de atribuições dos policiais, essa
discussão sujeitar-se-ia à avaliação fático-probatória, que só poderia ser
formalmente valorizada quando inequívoca e objetivamente demonstrada, a ponto
de não remanescerem dúvidas. No entanto, explicitou que, nos autos, há uma
grande quantidade de cópias de documentos e referências que requer largueza
investigatória incompatível com a via do habeas corpus.
Ressaltou que, conquanto exista prova produzida
em outra instrução penal, o suposto prevalecimento dessa prova emprestada
(apuração dos delitos atribuídos ao delegado) pressupõe discussão de ambas as
partes quanto ao seu teor e credibilidade, o que não ocorreu. Todavia, a seu
ver, se fosse considerável tal prova, a conclusão seria inversa, pois houve o
arquivamento dos demais crimes atribuídos ao delegado relacionados com a
suposta usurpação da atividade de polícia judiciária, que, no caso, é a Polícia
Federal, no que se baseou toda a impetração.
Ademais, estaria superada a fase
de investigação, pois há denúncia recebida, sentença de mérito editada pela
condenação e apelação oferecida sobre todos os temas referidos havidos antes da
instauração da ação penal; tudo deveria ter sido discutido no tempo próprio ou
no âmbito da apelação, caso as supostas nulidades ou ilicitudes já não
estivessem preclusas pela força do disposto na combinação dos arts. 564, III;
566; 571, II, e 573 e parágrafos do CPP.
Ademais, o juiz afirmou implicitamente
a validade dos procedimentos no ato de recebimento da denúncia e as
interceptações ou monitoramentos tidos por ilícitos foram confirmados por depoimentos
de testemunhas colhidos em contraditório, respeitada a ampla defesa.
Para o
voto de desempate do Min. Jorge Mussi, entre outras considerações, o órgão de
inteligência não poderia participar da investigação na clandestinidade sem
autorização judicial; essa participação, na exposição de motivos da Polícia
Federal, ficou evidente. Assim, a prova obtida por meio ilícito não é admitida
no processo penal brasileiro, tampouco pode condenar qualquer cidadão. Explica
que não há supressão de instância quando a ilicitude da prova foi suscitada nas
instâncias ordinárias e, nesses casos, o remédio jurídico é o habeas corpus ou a revisão criminal. A Turma, ao prosseguir
o julgamento, por maioria, concedeu a ordem."
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